quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

AQUI POSSO CHORAR


AQUI POSSO CHORAR.



Este conto é dedicado ao TiTonho

À entrada da aldeia, depois do cemitério e a meio da ladeira, à esquerda, bem lá para dentro das figueiras e alfarrobeiras, meio escondida e já no limite da fazenda, fica a casa dos Ranitos..

Francisco Ranito Jr, já tinha três filhos quando enviuvou. A senhora, bastante formosa, diziam, vinha dos Bentos, uma família com pergaminhos que residia nas Hortas, um sítio já mais próximo da cidade. O Ranito era um lavrador abastado e passeava-se pelas fazendas a cavalo, vestia terno e usava cordão de ouro, que ficava preso numa casa cá em cima na dobra do casaco e no fundo do cordão, tinha um relógio redondo, onde via as horas, que colocava por cima da cintura, na algibeira do colete.

Com este desempenho de homem abastado e ainda por cima fazendeiro, cedo resolveu o problema da viuvez e começou de conversa com a Angelina do Cerro Grande e aquilo deu certo, apesar dela ter menos vinte e tal anos de idade que ele, coisa pouco vulgar na região e nessa época e vai daí, passaram a chamar-lhe o Ranito Maluco.

O Ranito, que já tinha três filhos do primeiro casamento, desta vez arranjou outros três, rapazes todos, o António, o Manuel e o Joaquim que não beneficiaram da fortuna do pai, porque a Angelina encarregou-se de esgotar o baú onde o Ranito Pai depositava os seus haveres.

Depois da morte de Francisco Ranito a Angelina começou a beber tornando-se numa alcoólica inveterada. A vida tornou-se difícil para os Ranitos e os filhos seguiram vidas diferentes, mas felizmente conseguiram ganhar estima e consideração da gente da aldeia.

Manuel emigrou para o Canadá e aí faleceu. Era um homem de trabalho, baixo e entroncado. Fazia tudo e tinha a admiração dos irmãos e dos colegas. Esta, era uma irmandade curiosa, pois era certo e sabido que na taberna onde estava um o outro apareceria mais tarde ou mais cedo, principalmente o Manuel, visto que o Joaquim não era muito de frequentar esses locais. Em casa sim, quando possível, juntavam-se os três.

Contou-me o António uma vez que, numa taberna, estando ele com outros, a beber vinho, apareceu um dos que gostam da provocação e introduziu o dedo indicador no copo de vinho do colega do António. No meu não faças isso, nem penses … disse-lhe o António, mas o recém chegado fez, pelo que o António não gostou e saiu uma lambada na cara do outro que o fez sair por terra. Foi sempre um homem simultaneamente doce e rígido. Nunca teve medo de nada.


Hoje está num Lar da Terceira Idade.

António Ranito, disse-me ele, nunca foi à escola. A mãe levava-o até ao professor e uma vez lá, o António punha aos pés à parede e conseguia sair das mãos da mãe que o segurava e desaparecia. Ás vezes andava oito dias fora de casa sem que a mãe soubesse dele e um belo dia aparecia e a mãe ralhava-lhe novamente e ele voltava a desaparecer. Às vezes, vinha dormir dentro do forno onde a mãe cozia pão, alimentava-se de figos torrados e de frutos das árvores e, quando podia retirava um pão da dúzia que a mãe tinha cozido no forno, comia uns bocados e deixava o resto espetado num gomo da figueira, onde às vezes passavam ratos, cobras e outra bicharada.

Nunca deixou de trabalhar. Quando não tinha trabalho aparecia nas vendas onde sabia que havia possibilidades de lhe surgir uma oferta e, como era bom conversador, passava o tempo bem, conversando sobre isto e sobre aquilo com as pessoas que encontrava nos locais por onde passava.
Emigrou, primeiro para França e mais tarde para o Canadá para onde levou um dos irmãos. Trabalhou e foi feliz. Hoje está num Lar de idosos. Perguntei-lhe: Gosta de estar aqui?

- Sim, respondeu-me António.

AQUI POSSO CHORAR

João Brito Sousa


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

MARIA DE OLHÃO


MARIA DE OLHÃO, a minha homenagem.

O livro Maria de Olhão, agora trazido à estampa em edição da Câmara Municipal de Olhão, poderá ser considerado, respeitosamente, como um Manual de Instruções sobre a vida, onde cada um, à sua maneira, poderá retirar os ensinamentos que precisa ou julga necessários, para conseguir um comportamento equilibrado e sobretudo justo, na sociedade onde se insere.

Maria de Olhão, em minha opinião, foi uma mulher de excepção, que merece a minha homenagem e todo o respeito e penso que deve igualmente merecer a mesma coisa de todos os olhanenses.

Por aquilo que fez em favor de todos.

O mais curioso, é que baseou a sua conduta, no meu entendimento, claro, em quatro ou cinco pormenores de simples aplicação no dia a dia: trabalho, sentido de justiça apurado, poder de observação e sobretudo coragem.

Maria de Olhão tinha grande facilidade na aprendizagem das letras e de tudo o resto. Por isso, utilizando o seu arguto poder de observação e também o seu sentido de justiça, comentava na comunicação social ou em que lugar fosse, as anormalidades que se lhe deparavam e exigia a reparação dessas situações, que julgava incorrectas.

Corajosamente.

Foi sempre assim desde criança, pronta para ajudar os outros naquilo que pudesse e julgasse razoável, começando até por ajudar a mãe nas lides domésticas e dizendo não, noutras circunstâncias, quando era caso para isso.

Não nos podemos esquecer que Maria de Olhão viveu nos tempos difíceis da ditadura, o que não obstou a que, educadamente, expusesse os seus pontos de vista. E conseguiu resultados.

A vida é participação.

Foi Ernest Hemingway que disse: “É muito difícil ser homem”. Creio que sim, estou de acordo.


Mas, para Maria de Olhão, que teve os seus problemas e as suas dificuldades, como todos, aliás, creio que para ela foi fácil ser mulher. Porque teve lucidez e coragem para perceber qual era o caminho certo. A vida, num certo sentido até é amiga, porque, aqui neste cenário onde todos andamos, diz-nos quando chegarmos à idade certa, que isto acaba, isto é, chegará a altura em que amanhã já não almoçamos com a família. Portanto é preciso escolher o caminho.

Maria de Olhão foi exemplar nessa caminhada, assumindo simultaneamente e na íntegra o seu estatuto de cidadã responsável. O que não é fácil. Mas ela conseguiu. Chama-se a isto integridade e carácter.

É a esta mulher de Olhão, licenciada na Faculdade de Letras de Lisboa, que foi professora, jornalista e cidadã exemplar, que quero deixar uma pequena homenagem. Porque grande ela não gostaria.

Mas merecia-a.

João Brito Sousa
jbritosousa@sapo.pt



sábado, 12 de fevereiro de 2011

ANTÓNIO LOBO ANTUNES


ANTÓNIO LOBO ANTUNES HOMENAGEADO EM FRANÇA


António Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. Participou da guerra colonial, em Angola (de 1971 a 1973), experiência que marca a sua actividade literária. Em 2007 foi distinguido com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário de língua portuguesa. Em 2008 foram-lhe atribuídas, pelo Ministério da Cultura francês, as insígnias de Comendador da Ordem das Artes e das Letras francesas.


Agora, apesar de bastante divulgado na imprensa, nunca é demais referir a homenagem que os franceses vão fazer a este grande escritor português, começando hoje a primeira de 50 noites dedicadas a ALA, no teatro MC93, em Paris. A prestigiada instituição vai dedicar os próximos seis meses à obra do autor, com teatro, noites de leitura, instalações, concertos e performances.


O primeiro espectáculo intitulado Etat civil, com encenação de Georges Lavaudant, baseia-se numa série de conversas entre Lobo Antunes e Maria Luisa Blanco do jornal espanhol El pais, editadas em 2002. Obras do escritor como Tratado das paixões da alma, Exortação aos crocodilos, O esplendor de Portugal e Auto dos danados serão também levadas aos palcos. "É a maior homenagem de sempre feita na França a um escritor português vivo", declarou a editora francesa de António Lobo Antunes, Dominique Bourgois. Lobo Antunes tem 24 das suas 29 obras publicadas na França. A 26 de Janeiro será editada a tradução de O meu nome é Legião, livro lançado em Portugal em 2007.

jbritosousa@sapo.pt

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

UMA PÁGINA

DO MEU ROMANCE, ENTRAS AMANHÃ, A PUBLICAR NO JORNAL "O OLHANENSE"

Era na rua Direita na Costa da Caparica, na que vai para a praia, que, no primeiro café à esquerda se juntavam o Dr. Ventinho e mais uns quantos, formando uma tertúlia onde se salientava Ventinho, que era possuidor de uma bagagem invulgar. Os outros nem por isso. Mas sabiam ouvir, uma particularidade interessante e cada vez menos usual. E que conta muito.
Ventinho desempenhara na vila a sua profissão de médico, era muito conceituado, um homem daqueles a que se pode chamar um homem bom. Mas era sobretudo um homem da cultura, patriótico quanto baste, conhecedor dos princípios e valores por que se deve reger a sociedade, um estilo eticamente correcto, acompanhava-o sempre um sorriso, os seus bons dias dados à população transmitiam uma corrente de grande harmonia social, o que levava as pessoas a terem pelo facultativo uma grande dose de amizade.
Era ainda poeta e fazia sonetos profundos. E conseguia sonhar escrevendo os seus poemas. Sobretudo poemas de amor. Era, não parecendo, um apaixonado da vida. E, tal como Saramago, sabia que hoje estamos e amanhã podemos não estar.
A boa relação entre o Dr. Ventinho e os pescadores, respectivos familiares ou outros, começava no consultório do médico, onde, com uma paciência infinita, se inteirava dos males da clientela, jovem ou adulta. A simpatia de Ventinho era natural, tudo espontâneo, de tal modo que quando se soube do seu falecimento, toda a vila chorou, porque tinha morrido um homem bom.
Certa vez que entrei no acima citado café, o grupo estava reunido e falava de História Universal, assunto que o Dr. Ventinho adorava abordar. Além de História, Ventinho adorava também Literatura e falava dos autores clássicos com a propósito e sabedoria. Prosa ou poesia, era igual, pois a vida para Ventinho era estudar. Mas isto tudo depois da Medicina, que ele exercia com uma devoção enorme, quase paixão.
Eu conhecia Ventinho desde uma vez que precisei dos seus serviços. Ficámos bons conhecidos, quase amigos e cumprimentava-o sempre, quando me cruzava com ele na rua que ia dar á praia. Ventinho, que usava chapéu, um palhinhas no Verão e um de feltro lá pelos Invernos, balbuciava bons dias ou boas tardes e levava as mãos ao alto do cocuruto, simulando tirar o chapéu. Era um cavalheiro.
Quando entrei no café cumprimentei os presentes, especialmente Ventinho, que era o único que eu conhecia e recebi dele a respectiva contrapartida. Ia com um amigo e sentámo-nos numa mesa ao lado, e às tantas diz-me o meu amigo.
- Conheces o sujeito que está a falar?
- Sim, muito bem, é um humanista e um grande senhor. Muito estudioso; é um homem de grande sensibilidade, disse eu.
- Gostava de o conhecer, disse o meu amigo.
- Sim, e qual é a ideia? perguntei.
- Gostava de entrar na tertúlia, ouvir e pronunciar-me acerca destas coisas que o grupo está a falar, seria interessante.
- Vou pedir licença para nos juntarmos a eles, o que é que achas?
- Acho bem disse o meu amigo.
- Dr,. dá-nos licença que nos juntemos. Eu e o meu amigo estamos interessados em ouvir e participar se possível. O meu amigo é poeta e estava a gostar muito de o ouvir.
JBS