sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

UMA PÁGINA

DO MEU ROMANCE, ENTRAS AMANHÃ, A PUBLICAR NO JORNAL "O OLHANENSE"

Era na rua Direita na Costa da Caparica, na que vai para a praia, que, no primeiro café à esquerda se juntavam o Dr. Ventinho e mais uns quantos, formando uma tertúlia onde se salientava Ventinho, que era possuidor de uma bagagem invulgar. Os outros nem por isso. Mas sabiam ouvir, uma particularidade interessante e cada vez menos usual. E que conta muito.
Ventinho desempenhara na vila a sua profissão de médico, era muito conceituado, um homem daqueles a que se pode chamar um homem bom. Mas era sobretudo um homem da cultura, patriótico quanto baste, conhecedor dos princípios e valores por que se deve reger a sociedade, um estilo eticamente correcto, acompanhava-o sempre um sorriso, os seus bons dias dados à população transmitiam uma corrente de grande harmonia social, o que levava as pessoas a terem pelo facultativo uma grande dose de amizade.
Era ainda poeta e fazia sonetos profundos. E conseguia sonhar escrevendo os seus poemas. Sobretudo poemas de amor. Era, não parecendo, um apaixonado da vida. E, tal como Saramago, sabia que hoje estamos e amanhã podemos não estar.
A boa relação entre o Dr. Ventinho e os pescadores, respectivos familiares ou outros, começava no consultório do médico, onde, com uma paciência infinita, se inteirava dos males da clientela, jovem ou adulta. A simpatia de Ventinho era natural, tudo espontâneo, de tal modo que quando se soube do seu falecimento, toda a vila chorou, porque tinha morrido um homem bom.
Certa vez que entrei no acima citado café, o grupo estava reunido e falava de História Universal, assunto que o Dr. Ventinho adorava abordar. Além de História, Ventinho adorava também Literatura e falava dos autores clássicos com a propósito e sabedoria. Prosa ou poesia, era igual, pois a vida para Ventinho era estudar. Mas isto tudo depois da Medicina, que ele exercia com uma devoção enorme, quase paixão.
Eu conhecia Ventinho desde uma vez que precisei dos seus serviços. Ficámos bons conhecidos, quase amigos e cumprimentava-o sempre, quando me cruzava com ele na rua que ia dar á praia. Ventinho, que usava chapéu, um palhinhas no Verão e um de feltro lá pelos Invernos, balbuciava bons dias ou boas tardes e levava as mãos ao alto do cocuruto, simulando tirar o chapéu. Era um cavalheiro.
Quando entrei no café cumprimentei os presentes, especialmente Ventinho, que era o único que eu conhecia e recebi dele a respectiva contrapartida. Ia com um amigo e sentámo-nos numa mesa ao lado, e às tantas diz-me o meu amigo.
- Conheces o sujeito que está a falar?
- Sim, muito bem, é um humanista e um grande senhor. Muito estudioso; é um homem de grande sensibilidade, disse eu.
- Gostava de o conhecer, disse o meu amigo.
- Sim, e qual é a ideia? perguntei.
- Gostava de entrar na tertúlia, ouvir e pronunciar-me acerca destas coisas que o grupo está a falar, seria interessante.
- Vou pedir licença para nos juntarmos a eles, o que é que achas?
- Acho bem disse o meu amigo.
- Dr,. dá-nos licença que nos juntemos. Eu e o meu amigo estamos interessados em ouvir e participar se possível. O meu amigo é poeta e estava a gostar muito de o ouvir.
JBS

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